Passado e presente
Pra começo de conversa, acho importante me apresentar, já que você, possível leitor e eu, iremos nos encontrar outras tantas vezes, espero. Me chamo Paçoca Psicodélica, vulgo Yasmin Silva, tenho *39 anos, ouço Rock desde a infância (que foi uma infância presbiteriana sim, mas com muito Beatles, Scorpions, Elvis, Creedence, Dire Strait, AC/DC… tudo aquilo que meu pai ouvia) e comecei a viver o underground de 1995 para 1996 nas buraqueiras da cidade de Duque de Caxias na Baixada Fluminense, RJ.
As histórias que irei contar aqui são memórias, não ficção (embora nossas memórias sejam já um tipo de ficção, mas isso é outro papo. Uma vez o Chico Poeta me disse isso e eu fiquei puta, mas faz sentido. Nunca fique puto com algo cabeça que seu amigo diz e você não entenda). Ah, mas não significa que os textos serão meros relatos, estarão em ordem cronológica e muito menos em linguagem formal. Senão fica boring, né?
Vou escrever sobre o que rolou numa gig mês passado e na sequência, por exemplo, da vez quando tinha 17 anos, fumei um cigarro natural e disse que não tava sentindo nada mas quis deitar dentro do berço da bebê da casa do amigo e fiquei decepcionada por não terem deixado (sacanagem… tinha bichinhos de pelúcia tão fofinhos!).
Falando nisso, minha mente e minhas memórias funcionam nesse pique mesmo: passado e presente ali coladinhos. Com vocês é assim? Parece que tem uma semana que tudo aconteceu (ok, uma semana meio empoeirada, mas uma semana ) mas quando tu vai se situar tem 20 anos? Porque é como se tivesse tudo logo ali: as festas no CIEP 201 próximo a FEUDUC; as doideiras com os amigos da Rosely, colega de Ensino Médio lá no Parque Fluminense; os headbangers na barraca do Fino na festa de rua do Gramacho; o Clube 1 em Villar dos Teles; o Bar da Sônia em Mesquita; o Bar da Rosa em Deodoro; a Rua Ceará na Praça da Bandeira (nesse caso tá mesmo porque ainda vou às vezes, com a banda e também faço evento); a galera riponga do calçadão de Caxias e do Beco da Cirrose ao lado das Lojas Americanas; os botecos que não existem mais e amigos que se foram (Salve Gárgula!); os points muito importantes que construíram a história underground do Rio e da Baixada, aos quais frequentei apaixonadamente, fielmente, com uma ilusão e certa inocência que até hoje me acompanham.
Ah! Mas passou!!!
Passou e a gente fica entre contar as histórias e viver o agora. Façamos os dois. Embora seja um presente que tá mais parecendo presente de grego, na maior parte das vezes. Falando em points: a internet, a violência, a falta de grana, a falta de tesão são alguns dos fatores que nos deixam em casa. Centenas de bandas na cidade, centenas de álbuns, centenas de clipes, dezenas de eventos semanais mas a gente não vai nem a 10% e a massa só vai pro Rock no RiR.
Cadê aquele povo que saia sexta, sábado e domingo? Duros? Cadê a gente que ia pra Hillo’s em Nova Iguaçu, numa terça-feira, pra pogar ouvindo Rage Against the Machine? Cansados? Que pegava três busão, pulava roleta e ia pro Rato no Rio na zona oeste, pra Casa da Zorra na zona norte, pras festas na casa da Frank em Coelho da Rocha? Dando like em post coxinha e pedindo intervenção “milicar”? É a crise? É o tanque? É o POP? Em tempo: agro não é pop, agro é morte. O Rock morreu ou foi a gente?
Se dos cascudos sobram poucos (mulheres menos ainda, por questões sociais que nem todo mundo ainda ligou os pontos), me pergunto também cadê a molecada de HOJE. Cadê banda autoral de moleques de 16 anos? Que sonho seria!!! Tão em outra: Bozonaro, catuaba, no Funk, no Hip Hop (que inclusive dialoga com eles, nós não), séries, games, realidade virtual… Houve uma ruptura muito grande entre as duas gerações anteriores e essa. Falhamos ao esculachar os moleques dizendo que não conheciam o primeiro disco do Black Sabbath, que bom era o Chico Science, que System Of Down não era metal, que hoje tudo é merda. Enfim… depois falo mais sobre isso.
Mas voltando, a ideia da coluna é esta: contar histórias do passado ligadas aos principais points e personagens do underground Rio e Baixada (porque todas as gerações precisam saber dos xóvens malucos que vieram antes e abriram caminho); mas manter os pés firmes nesse agora que fervilha com bandas fodas que a gente precisa ouvir, gente bonita que a gente precisa encontrar, points e iniciativas fodas pra manter o underground vivo e claro, como não poderia deixar de ser com um monte de espertalhão sonhando em ser Medina e bandas que acham que cena se faz com um umbigo só. Normal.
Puuutz! E pensar que lá se vão *21 anos que o Marcelo Joplin lá do Jardim Leal em Dallas City disse ao me ouvir reclamar do quanto eu era novata: “Esquenta, não… daqui a pouco você tá aí cascudona, cheia de história pra contar…”!! E né que aconteceu. rs Tamo aí mandando brasa!
* na ocasião da escrita do texto.
Diário Underground foi originalmente publicado no site Oficina do Demo, no primeiro semestre de 2018.
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