Deste lugar de raiva onde me encontro, olho-me no espelho e não me reconheço. Serei eu mesma essa pessoa que carrega tanta fúria por detrás de pálpebras inchadas? Eu quero descansar. Quero me livrar desta mochila recheada de mágoas. Quero ser livre. Quero dançar. Quero finalmente poder voar. Mas, por agora, não posso.
Eu não sou ódio. Eu não sou rancor. Este lugar onde estou não me define. Se estou aqui, neste momento, o que posso fazer é apenas mudar a direção do meu olhar. Olhar para dentro, mas também para o infinito. Porque olhar para dentro já é olhar para o infinito. Olhar para o todo, imenso e indissolúvel, e entender-me uma nano-partícula no universo em expansão, e ao mesmo tempo eu mesma do tamanho da expansão universal. Olhar nos olhos do abismo, por mais assustador que pareça, e encará-lo em toda sua profunda frieza abissal.
Um dia ainda pretendo absorver integralmente a ideia de que a vontade e o desejo do outro não me pertencem. Que nada me pertence. Nem meu corpo me pertence. Nem meus sonhos me pertencem. Me pertence apenas a possibilidade da aceitação deste não-pertencer. Todas e todos somos seres livres, pois para isso fomos feitos.
Eu me cuido e você me cuida.
Princípio fundador. Mas nunca exigência. Será justo obrigar o outro a carregar o fardo das minhas expectativas? Minha busca é por bastar-me a felicidade que o cuidado com o outro me traz, no limite mesmo entre o reconhecimento e a dissolução do ego. Mas ainda há um longo caminho pela frente, e não é uma estrada de tijolos amarelos.
Por agora estou aqui nesse lugar – onde coabitam raiva, mágoa, desilusão, desamparo, tristeza, dúvida, confusão. Tenho pesadas bolas de apego emocional presas aos meus tornozelos. Sabendo que não é a este lugar que pertenço, ao mesmo tempo procuro entender porque acabei vindo parar aqui. Entendo a necessidade desta estadia dolorosa. Estou fortemente amarrada a uma montanha-russa emocional. Comprei um ticket para cada uma das atrações macabras deste parque de des-diversões, este circo de horrores.
Ninguém nunca disse que o fim de uma tão longa jornada emocional seria uma praia deserta em um belo pôr-do-sol, mas estar neste lugar onde só há tempestade constante é muito mais assustador e triste do que eu jamais poderia prever.
Ao mesmo tempo, sei que este embrulho no estômago é um sintoma da queda, e que se num dia eu despenco vertiginosamente, no outro eu subo e consigo encher os pulmões de ar antes de submergir novamente – e entre um e outro existem momentos de consciência da efemeridade não só desta dor, mas da própria vida e tudo aquilo que a constitui.
Afinal de contas, um passeio de montanha-russa não pode durar para sempre, não é mesmo? Que no fim do dia um vento forte sopre tudo isso para longe de mim, e que ao olhar para trás eu perceba este lugar como uma ilha, distante e perdida em algum lugar do passado (mas não a ilha de LOST, porque eu odiei essa série e me recuso a fazer analogia com ela).
Aurora Goodwin - Saiba mais sobre a autora em Casa Subversa e Brechó Relicário
40 anos
Produtora Cultural e autônoma
RJ
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O PROJETO
Mulheres em 40ntena, novo projeto do Pedaleiras, de escrita criativa e terapêutica, de expurgo e cura para unir e divulgar os textos emocionados e emocionantes desta fase que nos tomou de assalto. Todas estão convidadas a participar. Não precisa ser escritora profissional ou artista. Não importa sua escolaridade. Não há mínimo ou limite de idade. A ideia é justamente que seja o mais abrangente possível: com mulheres muito diferentes em questões de classe, cor, faixa etária, profissão, de credo, de região do Brasil, orientação sexual entre tantos outros aspectos mas com algo em comum: sobrevivendo à uma epidemia dentro de um quadro grave de pandemia. O que tem sido ser MULHER nesta fase que transborda isolamento, solidão, lágrimas, perdas, ansiedade, momentos depressivos, dúvidas, medo e desespero mas também buscas profundas, mergulhos, descobertas, sorrisos, tesão, criações, retomadas, reconciliações, perdão, despertares, novos olhares, inspirações, fortalecimento, solidariedade e amor? Escreva! Envie seu texto para portalpedaleiras@gmail.com ou para o zapzap 21993272560 com seu @ no FB, título do texto, sua profissão, idade, cidade e estado. Diga também se deseja que seu texto seja revisado gramaticalmente (tirar "erros" de Português) ou não. Pode ser poema, análise de conjuntura, carta, diário, resenha de álbum ou música, crônica, conto, lista de compras, HQ, relato de uma experiência ou qualquer outro gênero textual. Beijos, desejo que fiquemos bem. Paçoca Psicodélica.
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