Incertezas - Dalvana Aragão

Eu queria escrever um poema e falar que tudo ia ficar bem. Poderia também fazer uma crônica ou uma reflexão como sairemos mais fortes disso, mas eu não consigo.

Acho que isso é causado pelo fato que eu sei ler, e nesse momento saber ler é devastador. Você pode me perguntar, porquê? E eu te digo: quando sabemos ler, temos uma diversidade maior de informações. E a gente também sabe que aquilo que está sendo divulgado é o mínimo, ainda tem muita coisa para acontecer. Desenvolvemos o senso crítico, e isso nos mata a cada dia.

Após exatos 21 dias em isolamento social, saindo as vezes para ajudar meu pai. Ele é idoso, hipertenso. E essa sensação de estar dentro de casa o tempo todo também é agonizante pra ele. Pode ser muito egoísmo meu em escrever essas palavras, talvez eu esteja passando por uma crise individual, mas não consigo ficar bem, não consigo andar na rua e ver que um monte de gente simplesmente não liga, ou ignora o isolamento. Fazem churrasco, fazem festinhas, recebem visitas e se abraçam, enquanto eu, não posso nem abraçar meu véio nesses dias difíceis. As vezes penso estar enlouquecendo, porque eu passo horas lavando latas de cerveja, pacotes de macarrão, roupa, casa...

Queria dizer que está tudo bem, que logo isso vai acabar e que nós passaremos ilesos por isso. Mas não vamos. Porque estamos no Titanic, o Titanic está afundando, mas não tem bote salva-vida para todo mundo. Se você soubesse quantos respiradores tem na sua cidade, tenho certeza que você não sairia na rua. Dói, eu nunca imaginei que sentiria uma dor assim. Mas sigo fazendo a minha parte, talvez em breve, eu consiga escrever um poema ou um texto mais esperançoso. Entretanto, nesse exato momento eu só consigo expressar minha dor, causada pelas incertezas que esse vírus nos traz.

Dalvana Aragão. 32 anos. Guarulhos, SP.

Graduada em Letras, cursando Pedagogia.

Professora da rede estadual e municipal de São Paulo.