Quando eu era criança, nos anos 90, a minha família era bem mais pobre.
Eu fui crescendo e minha família foi ascendendo economicamente, passamos a comer fora, viajar nas férias, ter mais poder de compra.
Eu vivi essa mudança de estrutura e de olhar, de desejos.
De certa forma isso criou em mim a expectativa de crescimento, de que a vida poderia sempre ser melhor e de que eu poderia apostar nos meus sonhos.
Minha filha talvez viva o inverso.
Tenho pensado muito sobre o mundo e minha filha, sobre a perspectiva que ela terá.
Minhas escolhas nesse contexto social...
É muito difícil não ter ansiedade ou sofrer por antecipação nesse presente já tão incerto.
Tenho me culpado por algumas escolhas.
Ser artista é uma delas, parece que escuto todas as vozes que dizem que isso não é coisa para pobre.
" Escolha algo que te dê segurança primeiro"
Sinto um peso grande.
Sei que não estou só nesta aflição, mas ela é real.
A verdade é que essa tal de Covid nos escancara as feridas.
É como uma vez que cai de bicicleta e me machuquei muito, ralei minha perna toda e quando fez casquinha tropecei e cai novamente.
A Covid é tipo o tropeço, não causou a ferida, mas escancarou, arrancou as casquinhas todas e agora ta sangrando para caramba.
Tá jorrando sangue, tua mãe tá com mertiolate apontado e tu ta sem saída.
É igual.
Vai arder e demorar a passar.
Tamo sem saída
Tipo, entre a cruz e a caldeirinha.
Tem esse presidente louco e quem o defende. Mano, TEM QUEM DEFENDA O BOLSONARO.
TEM GENTE QUE EU AMO QUE DEFENDE BOLSONARO!
(Surreal)
Ta difícil de conceber.
Ontem morreu uma menina de 17 anos aqui em
Caxias. O prefeito da cidade ta na UTI de um hospital particular na zona Sul do Rio, depois de ter mandado a população continuar indo para igreja, no meio da quarentena.
As lojas na cidade continuam abertas.
Tem gente tomando cerveja atrás do teatro, no centro da cidade.
Mas o teatro ta fechado, o bar não.
Os artistas foram os primeiros a parar.
Tamo a mais de um mês sem trabalhar, sem previsão de voltar.
Com o dedo doendo para ver se o auxílio já saiu da análise.
Ferrados, mas defendendo a vida e os direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado.
Enquanto isso o dono da Madero quer que seus funcionários voltem a trabalhar pq ele não pode perder dinheiro.
Não existe economia sem pessoas.
Ta me faltando estrutura emocional para olhar o mundo.
Mas, estamos sendo obrigados a olhar os velhos problemas, agora evidenciados.
A precarização nas relações de trabalho da cultura;
A exploração do trabalhador;
A desvalorização da vida;
A concentração de renda;
O sucateamento do SUS;
A falta de investimento em ciência e pesquisa;
Falta saneamento básico;
A incompetência de Bolsonaro.
... [Complete]
Mantenha a saúde mental, se puder.
Fica em casa.
Desculpa o desabafo
Leticia Lisboa. Caxias, RJ. 16 04 2020.
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